Por: Túlio Almeida
Janeiro Branco é uma campanha idealizada pelo psicólogo Leonardo Abraão.
Iniciada em 2014, a campanha tem como objetivo chamar a atenção da sociedade sobre a importância do cuidado com a saúde mental e emocional. Portanto, em todo o Brasil e nas redes sociais, são realizadas no mês de janeiro diversas estratégias de conscientização da população, tais como: lives com especialistas, palestras, entrevistas nas rádios, programas de televisão, podcasts, incentivando também as escolas, instituições e empresas a falarem abertamente sobre a importância do cuidado de si e das emoções. Muitos atores e celebridades se engajam também na tentativa de ampliar e fortalecer o movimento, sensibilizando cada vez mais que as pessoas a busquem a psicoterapia¹.
Atualmente, a campanha Janeiro Branco ganhou relevância social e acredito que, de fato, conscientiza milhares de pessoas sobre a questão da saúde mental. Mas a campanha possui algumas limitações que gostaria de destacar. É importante refletirmos que a campanha Janeiro Branco possui uma característica de individualização das causas do sofrimento mental e emocional com frases do tipo: “faça terapia”, “busque o autocuidado” “procure um tratamento psicológico”, como se a superação de um sofrimento dependesse única e exclusivamente da pessoa. Colocando sobre ela o peso da responsabilidade e da mudança.
O adoecimento psíquico não é só da mente. A depressão, por exemplo, possui conseqüências multifatoriais, entre essas estão: as violências, as opressões, as desigualdades, as injustiças sociais que são, muitas vezes, invizibilizadas no cotidiano e nos serviços de saúde: a fome, o desemprego, o processo de uberização e a da exploração do trabalho, a violência física e psicológica dos homens contra as mulheres, o racismo estrutural, os abusos sexuais de crianças e adolescentes perpetrados em grande parte por familiares próximos, retrocessos nas políticas públicas e o afrouxamento dos direitos trabalhistas, acontecimento recente no Brasil. Quero dizer, não é possível se falar em promoção de saúde mental sem refletirmos sobre as origens do adoecimento psíquico individual, que são em grande parte reflexo do adoecimento coletivo.
Outro fator importante para problematizarmos diz respeito sobre as novas formas de enfrentando do nosso mal estar social, é que vivemos em uma época de epidemia do uso de drogas psiquiátricas, o Brasil é um dos maiores consumidores de ansiolíticos em todo o mundo. Na pandemia do Corona Vírus, houve um salto significativo de 22% nas vendas de ansiolíticos³, tarja preta que são vendidos com receitas médica, relata a reportagem da Veja do do segundo semestre de 2019 (link nas referências). A medicalização do vida, fenômeno esse que significa a transformação de sofrimentos sociais, econômicos e culturais em problemas de ordem médica, tratável como se fossem doenças², é uma realidade que precisa ser vista por uma perspectiva crítica pelos médicos, psicólogos, profissionais de saúde como um todo e a população em geral. Não quero dizer que sou contra ao uso de psicofármacos. O uso desses são, de fato, necessários em diversos casos. No entanto, é urgente refletirmos sobre o fenômeno da medicalização da vida para cada vez mais ampliarmos a nossa compreensão sobre os fatores sociais, econômicos e culturais no surgimento do sofrimento mental e emocional.
Saúde mental não é apenas fazer psicoterapia para superar uma depressão, crises de ansiedade, insônia. Saúde mental não é apenas uma questão individual. Saúde mental é coletiva, depende de políticas públicas que na maioria das vezes fogem do alcance dos indivíduos. Temos que ter o cuidado em não resumirmos as campanhas em saúde mental em frases do tipo: “busque por ajuda profissional”ou “busque o autocuidado”, tudo isso é importante, sim. Mas percebo um viés mercadológico que se repete. Nem sempre é de psicoterapia que a pessoa precisa, possa ser que a mesma precise de acesso a água potável, alimentação, emprego digno com direitos fundamentais ou acesso a serviços de saúde (e saúde mental) de qualidade. Não podemos perder de vista a inseparabilidade do sofrimento mental e emocional com as injustiças sociais (racismo, violência contra mulher e desigualdades econômicas) que são invizibilizadas e naturalizadas no cotidiano nosso de cada dia, que precisam ser trazidas à tona para serem discutidas em todas as esferas públicas. Há um longo caminho a se trilhar e pra isso é importante compreendermos a nossa a possível participação na produção do sofrimento emocional dos mais vulneráveis, de janeiro a janeiro.
Túlio Almeida é Psicólogo Clínico (CRP: 03/8824), Especialista em Saúde Mental Coletiva, Terapeuta Comunitário, atua em CAPS I e na APLB Sindicato.
@psicologo_tulioalmeida
REFERÊNCIAS:
- https://janeirobranco.com.br/
- AMARANTE, PAULO: “Medicalização em Psiquiatria”. Editora Fio Cruz. 2ª Ed. 2017.
- https://veja.abril.com.br/brasil/o-salto-das-vendas-de-rivotril-durante-a-pandemia-de-coronavirus/